Blog do Programa
Escolas Criativas

High Tech High: quatro pilares e uma conexão profunda com o mundo.

25 de abril de 2024 Diário de Bordo

DIÁRIO DE BORDO: EXPEDIÇÕES PEDAGÓGICAS – 1ª EDIÇÃO

“Quais curiosidades vocês têm sobre si mesmos ou sobre o mundo?”, questionou o professor aos seus alunos do 6º ano. As respostas escritas nos post-its foram fixadas sobre o quadro e guiaram o currículo dos três meses seguintes, contemplando as diretrizes do estado da Califórnia, nos Estados Unidos. As crianças aprenderam sobre humanidades e ciências, pesquisando sobre os temas que tinham curiosidade.

Este é um exemplo real de como funciona uma aula na High Tech High. Nas cinco escolas de educação infantil, cinco de ensino fundamental e seis de ensino médio, ninguém deixa de aprender o conteúdo obrigatório, mas fazem isso de forma interdisciplinar e conectada à realidade.

O currículo é formatado a partir de projetos que são desenhados por meio de situações e problemas identificados na escuta dos alunos. É a chamada aprendizagem baseada em projetos (ou Project Based Learning, PBL, em inglês), uma metodologia ativa que, na HTH, é abordada com um olhar especial para a valorização de experiências compartilhadas, com ênfase em atividades investigativas; da cultura de crítica, permitindo que os estudantes atuem como parceiros das comunidades onde estão inseridos e dentro da escola; e do próprio trabalho dos estudantes.

O olhar que a HTH traz para a PBL é o de aprofundar o desenvolvimento de competências como domínio do conteúdo, colaboração, comunicação eficaz, aprendizagem autodirigida, mentalidade acadêmica e resolução de problemas.

Rob Riordan, cofundador da HTH e presidente emérito da HTH Graduate School of Education, contou, em uma conversa que ocorreu durante a Expedição Criativa no MIT Media Lab, em maio de 2023, qual mensagem é passada aos docentes das escolas quando vão definir as atividades.

“O que dizemos aos nossos professores é que quando você está elaborando um projeto, trabalhando com seus alunos, é preciso fazer isto de forma conectada ao mundo para que seja transformador de alguma forma. Que seja engajador tanto para o aluno quanto para o professor. Desta forma é provável que os padrões curriculares estaduais sejam atendidos. Então: não comece pelo padrão, comece pela vida, ou o padrão vai sugar a vida da sua sala de aula.”

Para Rob Riordan, que conheceu Paulo Freire em sua passagem pelos Estados Unidos, a escola, ao separar os alunos por nível de conhecimento e ensinar por meio de disciplinas compartimentadas, separa-se do mundo. Riordan espera que ao questionar um estudante sobre o que ele fez durante o seu dia na escola, ele responda, por exemplo, que construiu uma montanha-russa, analisou a história dessa invenção, leu e pesquisou a respeito, ao invés, de dizer que teve aulas de matemática, artes ou línguas que não conversam entre si.

“A noção é de que a escola deve estar intimamente ligada ao mundo e deve estar envolvida na transformação à medida que avançamos na nossa escolarização. Nós condenamos práticas opressivas nas escolas. Nossa responsabilidade é anunciar um novo caminho. É o que tentamos fazer na HTH.”

OS PILARES

Os quatro pilares que guiam o projeto pedagógico da HTH são: equidade, personalização, trabalho autêntico e design colaborativo. A equidade permeia todo o funcionamento das unidades, a começar pelo mecanismo de entrada. Como a HTH é uma escola charter, ou seja é pública, mas a administração é feita via iniciativa privada, as vagas são sorteadas e a divisão é feita por meio do CEP da cidade.

A personalização aparece no espaço de escuta dos estudantes e na possibilidade de suas paixões e interesses serem levados em conta no ambiente escolar. O projeto pedagógico tem muita aderência à abordagem da Aprendizagem Criativa.

“Os estudantes são incentivados o tempo todo a refletir sobre a trajetória de aprendizagem que estão percorrendo ali dentro da escola. Eles têm um acompanhamento estrito. Não é todo mundo fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo. A gente vê isso quando entra nas salas. Os estudantes estão envolvidos com diferentes tipos de trabalho, embora seja uma proposta só”, explica Thais Eastwood, especialista em formação e inovação pedagógica do Programa Escolas Criativas.

O trabalho autêntico vem na esteira do engajamento e representa outro pilar da HTH. Como os trabalhos partem dos interesses e da conexão do mundo, a autenticidade é consequência natural. Os trabalhos podem estar relacionados diretamente à comunidade e contar com apoio técnico de representantes que não tenham formação ligada ao universo escolar.

Como o projeto pedagógico gira em torno da PBL, há o incentivo para que professores com formação em diferentes áreas do conhecimento atuem em duplas, planejando e trabalhando de forma integrada. Por isso, os docentes sempre estão em pares no momento de desenhar suas aulas. Este é o quarto pilar da HTH: o design colaborativo.

Thais Eastwood lembra que um dos pontos mais marcantes na visita às escolas foi justamente a aula conjunta entre dois professores. “As salas estavam de frente uma para outra e dois professores estavam dando aula juntos. Pensa que riqueza de momento e intercâmbio entre diferentes áreas do conhecimento. Sei que é mais difícil nas nossas escolas porque têm suas salas com paredes fixas, mas ali o próprio espaço foi desenhado para isso.”

INOVAÇÕES POSSÍVEIS

A visita ao HTH traz inspirações possíveis, em partes já presentes nas redes de ensino que fazem parte do Escolas Criativas. Uma delas é a criação de espaços de escuta para os estudantes participarem do planejamento escolar, iniciativa que, muitas vezes, depende mais de uma decisão da gestão escolar e pode proporcionar grandes transformações. Você já pensou em propor algo do tipo?

Outra mudança possível é tornar visível as produções dos estudantes, assim como ocorre em Branquinha (AL). As 17 escolas da rede municipal criaram cantinhos para expor, de forma permanente, os trabalhos criados pelos alunos a partir da aprendizagem criativa. As unidades escolares maiores destinam salas inteiras, mas as menores também reservaram espaços possíveis. A ideia é valorizar e reconhecer os trabalhos, e ao mesmo tempo, estimular a produção de novos.

No Brasil, a exposição de trabalhos produzidos pelos estudantes muitas vezes fica restrita à educação infantil e ao ensino fundamental. À medida que se aumenta a escolarização, diminui esse tipo de prática dentro do ambiente escolar. “Quando você pisa numa escola de ensino fundamental anos finais as paredes normalmente estão sem nada, não vemos os projetos dos estudantes.”, diz Thais.

Sabemos que a HTH tem uma realidade diferente da brasileira, embora também haja problemas comuns. Sabemos também que o Brasil é enorme, e dentro dele também há as peculiaridades e desafios de cada região, estado, cidade ou comunidade. Mas pequenas mudanças podem ser grandes catalisadoras de transformações. Já pensou em criar um plano de aula a partir do contexto da escola? Que problemas estão ali que precisam ser resolvidos de forma conjunta?

São exatamente essas provocações que guiam o Projeto Paixão, na rede municipal de Várzea Grande (MT), que também integra o Escolas Criativas. Nas 10 escolas que fazem parte do programa, gestores, professores e alunos escolheram projetos gerais baseados em Aprendizagem Criativa que unem toda a escola e a comunidade.

Quais os grandes convites, as grandes perguntas estão escondidas no entorno da sua escola que envolvem o currículo e poderiam se transformar em projetos? Este pode ser o início do seu planejamento. O que você já tem feito na prática, mas também ficou instigado a experimentar? Que tal (re) começar diferente?

Compartilhe com a gente, e conte com o nosso apoio nesta trajetória de transformação! Nos vemos na próxima edição do Diário de Bordo: Expedições Pedagógicas.