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Escolas Criativas

Mergulhando na criatividade: uma jornada no Tinkering Studio

10 de junho de 2024 Diário de Bordo
Mergulhando na criatividade: uma jornada no Tinkering Studio

DIÁRIO DE BORDO: EXPEDIÇÕES PEDAGÓGICAS – 3ª EDIÇÃO

Localizado em São Francisco, nos Estados Unidos, o Tinkering Studio (TS) é um laboratório R&D (‘research & development’, pesquisa e desenvolvimento) que fica no Exploratorium, um museu público de aprendizagem onde os visitantes podem explorar o mundo através da ciência, da arte e da percepção. Ali é possível aprender e vivenciar uma série de experiências e atividades que podem ser aplicadas na escola e na comunidade. 

Detalhe curioso: o Exploratorium foi fundado em 1969 por Frank Oppenheimer, irmão do criador da bomba atômica, para ampliar o conhecimento sobre ciência e tecnologia, e ele atuou como seu primeiro diretor até sua morte, em 1985.

Tinkering é uma abordagem de aprendizagem que tem ganhado destaque no campo da educação. O termo, que não tem tradução direta para o português – mas que poderíamos associar a ‘ajustar’, ‘mexer’ ou, no português mais popular, ‘fuçar’- , propõe uma livre exploração de ideias e materiais pelos estudantes, o que permite adaptações e improvisações ao longo do processo.

A primeira frase do site do Exploratorium, que é o museu que abriga o TS, já diz tudo: “Leve sua imaginação para brincar”. Já dentro do Tinkering Studio, os visitantes são convidados a explorar uma exposição ou investigar uma série de fenômenos com artistas, cientistas, educadores e outros participantes de uma atividade colaborativa. Uma grande e eclética variedade de materiais, ferramentas e tecnologias – a maioria bem barata e acessível – é oferecida para as pessoas usarem enquanto exploram e criam.

Segundo Luigi Anzivino, líder de desenvolvimento profissional do TS, Tinkering é uma abordagem de aprendizagem propiciada por meio de experiências diretas com fenômenos reais, concebida para ressaltar mais o processo e menos os resultados. 

“Nós nos preocupamos principalmente com a forma como os alunos constroem o conhecimento, e não com quais conceitos um aluno é capaz de reter. Isso liberta os educadores de se concentrarem naquilo que os estudantes são capazes de alcançar e demonstrar e, em vez disso, se envolver no próprio processo de aprendizagem e crescimento”, explica. 

O Exploratorium também sedia workshops de Desenvolvimento Profissional duas vezes por ano: são formações intensivas, com oficinas de três dias inteiros, para profissionais vindos da educação formal e informal, como professores, educadores que atuam em museus, bibliotecas etc. Luigi Anzivino explica que os participantes dos workshops geralmente já conhecem o Tinkering na prática, mas querem aprofundar mais sobre seus fundamentos pedagógicos, bem como as ferramentas para implementá-lo em seus respectivos contextos. “Temos pessoas vindas de diversos backgrounds, e normalmente temos alguns participantes vindos de outros países”.

Thais Eastwood, especialista em formação e inovação pedagógica, e Ana Beatriz Bretos, gerente do Programa Escolas Criativas, vivenciaram um desses workshops de Desenvolvimento Pessoal. Para ambas, a experiência foi muito transformadora e agrega ao trabalho do programa, pois as iniciativas se conectam por meio do propósito de aprender pelo brincar, de forma ativa e prazerosa.

As educadoras participaram de uma sequência de workshops em que, inicialmente, usavam o ‘chapéu do aprendiz’, durante as atividades – ou seja, o papel do aluno. Depois colocavam o ‘chapéu do mediador’, para entender as intencionalidades pedagógicas, bem como a escolha de materiais, os princípios de design, o tipo de disparador, o design do ambiente (por exemplo: escolhas de iluminação e música) – ou seja, o papel do educador. 

Um desses workshops foi o de construção de interruptores caseiros, por meio do conceito de circuitos elétricos. Com pilhas, motores, leds e uma infinidade de outros materiais que nem sempre funcionam como condutores, os participantes tinham de criar um circuito para acender uma luz, fazer um motor rodar, uma alavanca se mover ou um buzzer emitir som, como no caso da criação de um dispositivo que faça a geladeira apitar quando aberta, por exemplo. Para isso, o comando era mínimo. 

“Tinham muitos, mas muitos materiais mesmo, que pareciam ser condutores, mas não era informado o que poderia ser o conector. A gente tinha de testar e ver o que funcionava melhor. É bem exploratório!”, lembra Ana Beatriz.  

O workshop, que tinha como início apenas o brincar, acabava se transformando em um projeto, com um propósito por trás, como a construção de mecanismos que tinham uma função, como acender uma luz ou tocar uma buzina. “E os materiais usados eram muito simples. Os circuitos eram plaquinhas de madeira, com pregos, os conectores podiam ser papel alumínio, talher, marmitex, tudo de baixo custo ou reaproveitado para  nosvos usos”, conta Thais. “Foi muito, muito interessante”.

Cada dia era aberto com a recapitulação do que foi realizado no dia anterior. À tarde, no segundo dia, foi realizado o workshop de light play (brincar com as luzes), que convidou os participantes a explorarem luz, sombra e movimento, usando materiais simples e fontes de luz. A atividade começava com uma exploração das interações entre diferentes fontes de luz e objetos e materiais opacos, translúcidos e transparentes e depois partia para o convite para a construção de um projeto artístico cinético explorando luz e sombra e os circuitos utilizados no primeiro dia. Ao final, todos os projetos foram combinados em uma instalação colaborativa. “As experiências e oficinas de antes te abriam possibilidades de construir algo mais legal no dia seguinte”, conta Ana Beatriz. Todas as oficinas eram incrementadas por luz e músicas intencionais.

No terceiro e último dia de experiência no TS, os participantes se dividiram em pares para montar um circuito de reação em cadeia. Uma produção se interligou à outra: uma bexiga estourada acionou uma bolinha que correu por um teclado e derrubou uma sequência de dominó. A mão do Senhor Cabeça de Batata (ele mesmo, personagem do Toy Story) empurrou o rabinho de um pato que chegou à bola de papel alumínio que acendeu uma luz… até finalmente estourar a bexiga final quase cinco minutos depois (assista ao vídeo). 


Brincar é coisa séria 

Mas existe o risco de confundir Tinkering com “jogo livre”, sem objetivos ou intenção, diz Luigi. E não é. “Brincar com propósito significa que consideramos cuidadosamente maneiras de despertar o pensamento e a curiosidade sobre um conjunto de ideias ou fenômenos. E o objetivo aqui não é dominar um resultado específico ou aprender um conjunto de conceitos relacionados a fenômenos científicos. Mas, quando nos envolvemos numa exploração física lúdica, encorajamos o pensamento divergente, valorizamos soluções inventivas, acolhemos resultados inesperados, sobre um conjunto de ideias ou fenômenos, como a luz, ou o movimento, ou causa e efeito, por exemplo. Acreditamos que esta é uma forma importante de desenvolver o pensamento e as competências sociais”. 

O mesmo propósito é destacado por Thais, que lembra que o Tinkering Studio tem quatro importantes componentes: brincar não só ‘por brincar’, mas com o propósito de aprender; o espaço de exploração; o oferecimento de oportunidades de escolha ao aprendiz; e a promoção da aprendizagem colaborativa.

“Eles querem promover a aprendizagem com o mínimo de intervenção, mas ela é muito bem demarcada. Enquanto estamos criando, a equipe do Tinkering Studio está circulandoEles estão anotando 100% do tempo, para eles também é aprendizado”, diz Thais. 


Inovações possíveis

Assim como a Aprendizagem Criativa, as iniciativas do TS prezam pelo pensar brincando ou pelo aprender pelo brincar. As práticas exploratórias do museu também se assemelham às dimensões de uma escola criativa, entre elas, a apropriação da prática docente, adaptação de espaços e tempos, e apropriação das tecnologias, por isso estão alinhadas às diretrizes do Programa Escolas Criativas.

Uma das inspirações é o papel do professor enquanto designer e mediador na construção de uma experiência de aprendizagem. Ao fazer um aluno chegar às próprias conclusões sozinho, a assimilação do conhecimento se dá de forma muito mais rica. Que tal criar espaço para a participação ativa dos estudante, para que definam seus próprios objetivos e corram riscos intelectuais e criativos? Que tal instigar a curiosidade, desenvolver a habilidade de observar e fazer perguntas, construir explicações e testar ideias provisórias? Que tal apostar em uma iniciativa exploratória, com atividades mão na massa, para a construção de compreensões sobre o conteúdo teórico do currículo?

E como levar atividades baseadas em Tinkering para a sala de aula? “Os professores começam como alunos”, diz Luigi. “Antes de proporcionar uma experiência significativa de Tinkering para as crianças, os professores experimentam atividades de Tinkering para eles mesmos, explorando processos e materiais”. 

Dessa maneira, segundo ele, os professores irão descobrir como participar em explorações abertas de STEAM (sigla em inglês que significa Artes, Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), definindo seus próprios objetivos. 

“Guiados por programas de Desenvolvimento Profissional, os professores principiantes encontram áreas do seu currículo que se prestam particularmente bem à abordagem de Tinkering, e começam a praticar o seu novo papel como facilitadores. Com o tempo, poderão cada vez mais adotar práticas de Tinkering em diferentes aspectos da aprendizagem”, finaliza Luigi.

 

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